Por Augusto Moita
A NOSSA SINA!
Há dias encontrei um velho amigo que não via há alguns anos. Estava sentado num banco de jardim com ar melancólico e completamente absorto, talvez já vergado pelo peso da sua proveta idade. Dirigi-me a ele: Olá Zé Manel, como tens passado? Olhou por cima dos óculos, tipo Fernando Pessoa, de lentes grossas, e encarou-me com ar estupefacto e, respondeu-me: «vou andando, amigo!» A tradicional resposta de gente envelhecida e, sobretudo, conformada com a ‘sua sina’, como se para eles já não houvesse amanhã, ou, tivessem, diariamente, de carregar a ‘cruz’ em que a suas vidas se transformaram. Eu respondi-lhe: oh pá, eu estou ótimo, sabes! Porque me vou mantendo ativo. E tu, Zé Manel, o que andas fazendo? Retorquiu: nada, meu amigo, vou cirandando por aí, sentando-me num banco de um qualquer jardim e meditando na minha vida passada e presente, já que o futuro aproxima-se do fim! Atalhei: que amargura meu amigo, transparece das tuas palavras. O que se passa contigo?
Tudo e nada, amigo: os tempos são outros, e tenho alguma dificuldade em adaptar-me a estes novos tempos. Já estou velho para aceitar determinadas ‘coisas’ que vejo e ouço. A sociedade em que fomos educados nada tem a ver com a dos tempos atuais. A falta de ética, de valores, de civismo e de respeito imperam. A agressividade verbal e física passou a ser notícia diária em todos os telejornais. Desrespeita-se o nosso semelhante ofendendo-o de forma gratuita e mata-se por ‘dá cá aquela palha’. Há guerras por todo o mundo, e os homens não se entendem. Estamos dando cabo do planeta, e assistimos indiferentes às catástrofes provocadas pelas alterações climáticas. E, ousa-se falar mal de outrem, desconhecendo-se, na maioria das vezes, a sua história de vida; a constância e a coerência das suas atitudes, dos seus atos e dos seus comportamentos, definidores, de boa ou má pessoa! Porquê então tais comportamentos? Apenas por inveja, a perniciosa (porque também há a boa, que é a emulação) e que se manifesta na maledicência, naturalmente insidiosa, na frustração de quem não é capaz mas critica malevolamente, na hipocrisia (duas ‘caras’), na soberba (pela mania da superioridade), no egocentrismo (por humilhar o outro para se sentir superior) ou simplesmente na imbecilidade (pela falta de humildade e de autoconhecimento), o que aliena a confiança, a lealdade, a sinceridade, a disponibilidade e a gratidão (pilares essenciais da amizade), e mina qualquer relacionamento humano, abalando assim, as estruturas de uma sociedade que julgava mais democrática e mais fraterna. Estarei equivocado? E prosseguiu: não, tenho a certeza de que não estou, meu amigo; estou simplesmente falando do que perceciono e, naturalmente, muito desencantado! Infelizmente, verifico que nas relações pessoais a todos os níveis prevalece, sobretudo, os “interesses e as conveniências”, desde que ambos beneficiem e, não a amizade como uma dádiva pura e fraterna. Os amigos de hoje, viram teus inimigos amanhã, ostracizando-te (nem te querem ouvir!) Hoje, com toda a desfaçatez, dizem-te mal de um amigo, (‘apunhalando-o’ pelas costas!), amanhã, vais encontrá-los em amena cavaqueira, combinando repastos ou passeios conjuntos, entre outras manifestações que, me parecem de uma ignóbil hipocrisia, como se a sua opinião acerca do outro tivesse ‘mudado de uma hora para a outra’, o que me leva a refletir: hoje é ele, amanhã serei eu! Como confiar nas pessoas? Olha… não encontro uma resposta credível e, por isso, me isolo cada vez mais, ‘consumindo-me’ nestes pensamentos. Serei um moralista bacoco? Respondi-lhe com denodo: não meu amigo, és um homem de bem! Fez-se um silêncio sepulcral! Passado algum tempo, disse-me: Sabes, estou só, há já alguns anos! O meu amor, companheira de toda a minha vida, faleceu, e eu acabei por isolar-me, ainda mais, de forma voluntária e definitiva. Não me queixo nem me vitimizo, porque assumi, há muito, que esta seria a minha ‘maneira de conviver com o ‘embuste’ em que se tornaram a maioria das pessoas que conheço. Assim, evito aquilo que mais abomino, pessoas que prevaricam, destratam e magoam outras e depois, desdizem, intoxicam outros e, pior do que isso, ainda se vitimizam! Eu, não quero ser protagonista neste proscénio social cuja convivência humana, se tornou numa peça ´trágico-cómica’! Estou bem assim! Sabe: ainda tenho três filhos, graças a Deus! Contudo, não deixam de me dar preocupações. O facto de saírem de casa, isto é, ‘debaixo das nossas asas’, não deixo de os ter permanentemente no pensamento. Comovo-me sempre que relembro o que vivenciámos e partilhámos juntos nos nossos caminhos comuns. Ser pai é magnífico, é um amor indescritível, sublime, acima de todos os outros. Mas sofro ainda, se perceciono que estão infelizes apesar de terem constituído a sua própria uma família e já me terem dado netos. Sabes, há muita fachada! Contudo… a vida pertence-lhes! Deles, só desejo que não esqueçam que têm pai em quem podem confiar, se o entenderem, e que tiveram uma mãe diligente, extremosa e que muito os amou! E tudo isto, me atormenta e me consome, neste que é o ‘derradeiro tempo’; o lapso que representa o resto da minha vida!
Retorqui: Não amigo, tu não estás só! Precisas urgentemente de um lenitivo que te traga de volta à vida e a usufruíres de um pouco da felicidade perdida. Junta-te a mim amigo, porque estamos no mesmo pé na ‘desgraça’, e juntos poderemos percorrer a “via-sacra” desta vida! Escuta-me com atenção: estou numa Instituição onde as pessoas confraternizam e aprendem coisas novas e têm momentos de alguma felicidade. Relacionar-te-ás com quem te merecer e ignorarás os outros. Farás as tuas escolhas em função dos teus princípios e valores! Está bem assim? Queres acompanhar-me? Por favor, deixa-me ajudar-te e ajudar-me! Espero por ti, um dia destes; ouviste! Olhou-me inexpressivamente, e disse-me, tão só: adeus amigo, até um dia! Levantou-se e caminhou em direção ao “acaso!” E constatei depois que, nem por uma vez o ouvi mencionar o meu nome. Afinal, que importância tinha no momento? Nenhuma!
No dia seguinte, encontrei o Zé Manel à porta da Instituição. Um abraço fraterno, bem apertado e longo, nos uniu. Não balbuciamos uma só palavra. Verteu-se uma lágrima em cada rosto, e no momento, pensei: obrigado Zé Manel!
AUGUSTO MOITA
15 SETEMBRO 2021